Era uma guerra que parecia não ter fim. Já fazia muito tempo que qualquer celestial fora visto, e nesse ponto não havia muita esperança para a raça dos homens, que minguava diante da ameaça implacável dos seres abissais.
Mas um último exército marchou das Cidades Livres e entre mais de mil homens estava o jovem Rorik Deschain, liderando alguns mercenários contratados por seu pai, um nobre comerciante. Ou pelo menos fora um até essas coisas terem algum valor. Rorik e seus homens serviam ao comandante do Grande Exército, um veterano de muitas batalhas, embora tantos já tivessem ocupado aquele cargo, e por tão pouco tempo, que alguns homens sequer se davam ao trabalho de decorar seus nomes.
Rorik era um desses homens e pouco prazer lhe dava a guerra desde a tragédia que abatera sua família e a ruína de sua Casa. Ainda assim era sua responsabilidade liderar aqueles homens de aparência cruel e miserável, tarefa que ele realizava somente por obrigação. Não no sentido de que fora mandado, uma vez que partiu dele e não de seu pai o desejo de continuar lutando mesmo sem ter mais o que defender, mas porque o próprio Rorik não podia desapontar a si mesmo, indo contra aquilo que acreditava. Porque mesmo tendo perdido tudo a honra era algo que ninguém tinha descoberto como roubar.
E Rorik Deschain cuidava dos seus.
O exército marchou durante longas semanas, adquirindo seguidores por onde passava, sulistas, nortenses e até mesmo homens selvagens das terras ermas. Até que a hoste cada vez maior atingiu seu destino quando botou os pés nas terras áridas do Deserto da Desolação, onde antes mesmo da chegada dos Primeiros Homens uma rachadura cortou o solo, tendo cerca de 5 km de comprimento e 100 metros de largura, e de lá surgiram os seres abissais. Entre eles haviam demônios, dragões e muitos outros da mesma estirpe, todos vermelhos e negros como aquela terra miserável. Pouco depois deles vieram os celestiais, seres alados de beleza quase incompreensível que surgiam das nuvens, portando poderosas espadas cheias luz e vestindo armaduras brilhantes. Branco e dourado eram suas cores, ainda que ninguém jamais soubesse seus nomes, e poucos eram os que sequer viram seus rostos. Assim teve início a Primeira Grande Guerra, época que hoje é conhecida como Os Anos de Provação.
No fim diz a lenda que houve uma trégua, os seres abissais retornaram ao Abismo e os celestiais voltaram aos céus, e foi nesse período de paz que surgiram os Primeiros Homens, fruto de ambas as espécies. Dessa forma, a raça dos homens possui em si tanto as melhores quanto as piores qualidades dos Pais, maneira pela qual os clérigos se referem a eles.
Mas agora os seres abissais haviam retornado mais numerosos do que nunca, embora bem menos poderosos que seus antepassados, às vezes tão comuns que podiam até se passar por humanos, o que não era de todo mal, pois isso permitiu que eles se aliassem a homens ambiciosos e sem senhor. E por mais que os clérigos rezassem nenhum celestial descia dos céus.
Apesar disso, o Grande Exército marchou, perdendo homens a medida que avançava. O próprio terreno era traiçoeiro, o ar que se respirava praticamente um veneno, então a doença se espalhou rapidamente. Depois veio a desconfiança, e por fim, com a aproximação da hoste inimiga, o medo. Homens sumiam noite após noite, não se sabia se fugiam ou eram mortos, mas é certo que sozinho não foram longe, independente de suas intenções.
E foi no dia mais quente em muito tempo, após semanas de caminhada, que as duas hostes finalmente ficaram cara a cara.
Sob um céu vermelho e roxo bandeiras foram recolhidas e espadas eram desembainhadas, de um lado pouco mais de 1200 homens, do outro 4 mil seres abissais, sendo que 2500 desses eram demônios puros ou mestiços, indivíduos não muito diferente de humanos, enquanto o resto da hoste era composta por humanos corrompidos e criaturas, monstros dotados de inteligência humana e aparência bestial, muitos deles alados. As próprias montarias eram monstruosas, filhotes de dragão e répteis gigantescos, seres que também tinha um intelecto superior a maioria dos animais, e que por conta própria já davam trabalho a cinco homens. Todos que podiam usavam armaduras e armas rústicas.
Então o rufar dos tambores inimigos cessou subitamente e soaram as trombetas de som cristalino dos nortenses, como era o costume daqueles confrontos, e depois vieram os gritos e xingamentos de ambos os lados, dando lugar à selvageria em questão de instantes. Assim teve início a Segunda Grande Guerra e no meio dela estava Rorik Deschain, senhor de nada e mestre de ninguém, ninguém a não ser de si mesmo.
A medida que homens e demônios caiam no campo de batalha, o grupo liderado por Rorik se destacava dos demais, pois mesmo não tendo muito em comum com um bando de mercenários, eles tratava aqueles homens temíveis com respeito e igualdade. E por causa disso os mercenários admiravam o rapaz, apreciando sua companhia e senso de dever. Muitos inclusive abdicaram de seus pagamentos. Portanto, quando o comandante do Grande Exército caiu devido a mordida do jovem dragão que levava o líder dos demônios na garupa, não foi surpresa para ninguém que Rorik assumiu a liderança do Grande Exército, sempre rodeado por seus homens de confiança.
E pouco a pouco a batalha foi se equilibrando, demônios começaram a morrer como moscas e fugir de volta ao Abismo, até que um enorme rugido veio de seu interior e chacoalhou o solo, paralisando combatentes de ambos os lados. Os estrondos eram ritmados e vinham acompanhados de uma fuligem negra vomitada pelo Abismo, e todos se afastaram da fumaça tóxica, principalmente os demônios, que corriam apavorados de um lado para o outro. Passados alguns minutos ficou tudo em silêncio e os homens aguardavam sob a liderança firme de Rorik. Porém, quando os mais entusiasmados já comemoravam a vitória, formas enormes começaram a surgir da fuligem negra, demônios e criaturas que antes só existiam em lendas, todos envoltos por aquela estranha fumaça. Até que a própria fumaça pareceu tomar forma, e quando os homens se deram por conta, ela assumiu a forma de um enorme dragão negro, cujas narinas exalavam fuligem cor de breu.
Tudo que foi necessário para o pavor tomar conta foi um rugido.
Os únicos que mantiveram formação foram Rorik e seus homens, acompanhados por um punhado de homens corajosos, que no total não somavam mais de 300 cabeças. Quanto aos demônios, a maioria da primeira leva foi morta pelos próprios superiores, sobrando apenas os mais fortes, agora liderados pelo dragão. E foi nesse momento, quando toda a esperança parecia perdida e o grande dragão preparava o bote sobre Rorik Deschain, que um raio de luz branco e ouro na forma de um meteoro cruzou os céus. Aquilo pegou humanos e demônios de surpresa, interrompendo a luta por um momento, pois todos os olhos estavam voltados para o céu.
Então o meteoro deu uma curva e desceu ao solo em grande velocidade, caindo no meio da hoste inimiga com uma enorme explosão e arremessando demônios a grandes distâncias, e o que se seguiu foi assombro de ambos os lados. Quando a poeira baixou, todos se aproximaram respeitosamente com a excessão de Rorik, que tinha olhos fixos no dragão. E pouco a pouco uma forma foi assomando no centro de uma pequena cratera causada pela explosão, um ser alado e todo brilhante caído elegantemente sobre um joelho, segurando uma enorme espada de luz dourada em cada mão. Aí até mesmo Rorik foi obrigado a tirar os olhos da luta.
Ele se aproximou mais do que qualquer um, fascinado por aquele ser de armadura tão brilhante, certamente um celestial das velhas lendas. Do lado do inimigo, o único que teve coragem de fazer o mesmo foi o grande dragão, e logo o celestial se pôs em pé, voltado para Rorik. Então o paladino se virou para o dragão e ergueu as espadas, ficando entre Rorik e o dragão. Nesse ponto todos estavam estupefatos demais para reagir, e quando o celestial alçou voo sobre o dragão negro, fazendo o grande lagarto rugir de dor, ninguém ousou interferir.
Mas então o monstro acertou o paladino com um poderoso golpe de sua cauda, fazendo ele rodopiar no ar e cair atrás de uma duna distante, bem longe do campo de batalha. E agora foi a vez do dragão alçar voo para devorar sua presa.
Aquilo foi o suficiente para despertar Rorik de seu estupor.
Uma grande explosão de faíscas brancas e negras rasgou o céu e por um momento Rorik temeu ter voltado a si tarde demais. Ele correu na direção da duna e no caminho pegou uma das espadas de luz que o celestial derrubou quando foi atingido. As explosões se repetiram algumas vezes, sempre acompanhadas por um estrondo ensurdecedor, como se uma batalha de proporções épicas se desenrolasse do lado de lá da duna. Uma batalha na qual a cor negra estava prevalecendo.
Ainda assim restava um pouco de branco quando Rorik atingiu o topo da duna. O celestial era uma pequena forma brilhante diante da enorme envergadura do dragão negro, mas ainda resistia com sua única espada e um escudo de energia que se projetava do antebraço, embora não tivesse mais forças para ficar em pé. Percebendo a fragilidade do adversário, o dragão ficou sobre as patas traseiras e inflou o peito com sua chama negra, alheio à presença de Rorik, que aproveitou a distração do monstro para rolar duna abaixo. E no último instante, quando o dragão caiu outra vez sobre as quatro patas, estremecendo todo o chão com seu peso maciço, Rorik correu como nunca e rolou no chão, onde defendeu com o escudo a cusparada de fogo negro que fora intencionada ao celestial. Agora foi a vez de Rorik ficar entre o dragão e sua presa, gritando devido ao calor que queimava sua pele, pouco protegida por uma simples placa de escamas.
Então ele sentiu um toque suave no ombro e viu sua armadura brilhar cada vez mais a medida que o dragão aumentava a intensidade do fogo. Mas ainda assim aquilo não era o suficiente para Rorik sobreviver por muito mais tempo, portanto ele respirou aliviado quando viu seu exército descendo a duna, assediando o dragão da maneira que podia. A criatura rugiu de dor quando lhe cravaram uma lança no flanco e se virou para abocanhar quem quer que estivesse em seu caminho, abandonando as duas presas que estavam dando tanto trabalho em troca de uma refeição mais simples, e Rorik aproveitou a distração do dragão para se reeguer e fazer o mesmo pelo celestial, oferecendo sua mão como apoio. A armadura brilhante de Rorik fora cedida pelo próprio celestial, e agora ela havia retornado a seu dono por direito, mas não sem antes o rapaz ter um rápido vislumbre da mulher debaixo da malha branca. Rorik sorru e disse:
- Então não devo minha vida a um guardião, mas sim a uma guardiã, não é?
A Guardiã de Rorik nada disse no primeiro momento. Foi apenas quando o elmo se fechou totalmente que ela respondeu.
- Obrigada - disse com uma voz feminina alterada. Então alçou voo outra vez para o campo de batalha, pois os inimigos haviam voltado a si e o dragão causava grande estrago, arranhando e mordendo tal qual um crocodilo.
E foi sob a liderança de Rorik e a Guardiã que a batalha foi vencida pelos homens, sendo que mais de duzentos demônios caíram diante de suas espadas de luz, e até mesmo o dragão rastejou de volta ao Abismo com alguns arranhões. No fim daquela noite, após as comemorações, Rorik foi ter com a Guardiã no topo da duna, onde ela observava os festejos rudes dos homens protegida por sua armadura brilhante. A princípio ele não falou nada, apenas acompanhou seu olhar e lhe fez companhia, sem saber o que dizer.
- Foi uma boa luta - disse por mim e ofereceu a ela um chifre de cerveja.
Ela olhou o chifre brevemente e então ergueu a cabeça para o céu estrelado, aprumando as asas, que eram quase transparentes de tão finas. Mas Rorik se adiantou e agarrou seu braço.
- Espere - disse ele, mas se afastou diante do movimento abrupto da cabeça da Guardiã, lembrando uma ave de rapina com seu elmo fechado. - Preciso lhe devolver uma coisa.
Então desembainhou a espada de luz e ficou caído sobre um joelho, solene. A Guardiã ficou sem reação diante daquilo, mas de repente fez um ruído delicado que lembrou uma risada e põs a mão no queixo de Rorik, erguendo gentilmente sua cabeça.
- De pé, cavaleiro - disse ela e Rorik obedeceu com prontidão. - Você não me deve nada. Na verdade, se algum de nós deve algo a alguém aqui, essa alguém sou eu.
E apesar de não estar acostumado a ficar sem palavras, Rorik Deschain ficou sem saber o que dizer. Apenas disse debilmente:
- E a espada?
- É sua. Você fez por merecer.
Ele batizaria a espada de Fagulha-na-Noite.
Depois disso a Guardiã finalmente alçou voo e Rorik viu ela desaparecer entre as estrelas. Ele passou alguns minutos admirando o céu noturno, e quando enfim desceu a duna, tinha os passos pesados. Rorik olhou para o céu mais uma vez antes de entrar em sua tenda, se perguntando se um dia veria a Guardiã novamente. Então não suportou mais a exaustão e foi se deitar.
Mas a Guardiã não teria descanso tão cedo, pois a vingança do dragão seria terrível, e ela não demoraria a vir...
Mas um último exército marchou das Cidades Livres e entre mais de mil homens estava o jovem Rorik Deschain, liderando alguns mercenários contratados por seu pai, um nobre comerciante. Ou pelo menos fora um até essas coisas terem algum valor. Rorik e seus homens serviam ao comandante do Grande Exército, um veterano de muitas batalhas, embora tantos já tivessem ocupado aquele cargo, e por tão pouco tempo, que alguns homens sequer se davam ao trabalho de decorar seus nomes.
Rorik era um desses homens e pouco prazer lhe dava a guerra desde a tragédia que abatera sua família e a ruína de sua Casa. Ainda assim era sua responsabilidade liderar aqueles homens de aparência cruel e miserável, tarefa que ele realizava somente por obrigação. Não no sentido de que fora mandado, uma vez que partiu dele e não de seu pai o desejo de continuar lutando mesmo sem ter mais o que defender, mas porque o próprio Rorik não podia desapontar a si mesmo, indo contra aquilo que acreditava. Porque mesmo tendo perdido tudo a honra era algo que ninguém tinha descoberto como roubar.
E Rorik Deschain cuidava dos seus.
O exército marchou durante longas semanas, adquirindo seguidores por onde passava, sulistas, nortenses e até mesmo homens selvagens das terras ermas. Até que a hoste cada vez maior atingiu seu destino quando botou os pés nas terras áridas do Deserto da Desolação, onde antes mesmo da chegada dos Primeiros Homens uma rachadura cortou o solo, tendo cerca de 5 km de comprimento e 100 metros de largura, e de lá surgiram os seres abissais. Entre eles haviam demônios, dragões e muitos outros da mesma estirpe, todos vermelhos e negros como aquela terra miserável. Pouco depois deles vieram os celestiais, seres alados de beleza quase incompreensível que surgiam das nuvens, portando poderosas espadas cheias luz e vestindo armaduras brilhantes. Branco e dourado eram suas cores, ainda que ninguém jamais soubesse seus nomes, e poucos eram os que sequer viram seus rostos. Assim teve início a Primeira Grande Guerra, época que hoje é conhecida como Os Anos de Provação.
No fim diz a lenda que houve uma trégua, os seres abissais retornaram ao Abismo e os celestiais voltaram aos céus, e foi nesse período de paz que surgiram os Primeiros Homens, fruto de ambas as espécies. Dessa forma, a raça dos homens possui em si tanto as melhores quanto as piores qualidades dos Pais, maneira pela qual os clérigos se referem a eles.
Mas agora os seres abissais haviam retornado mais numerosos do que nunca, embora bem menos poderosos que seus antepassados, às vezes tão comuns que podiam até se passar por humanos, o que não era de todo mal, pois isso permitiu que eles se aliassem a homens ambiciosos e sem senhor. E por mais que os clérigos rezassem nenhum celestial descia dos céus.
Apesar disso, o Grande Exército marchou, perdendo homens a medida que avançava. O próprio terreno era traiçoeiro, o ar que se respirava praticamente um veneno, então a doença se espalhou rapidamente. Depois veio a desconfiança, e por fim, com a aproximação da hoste inimiga, o medo. Homens sumiam noite após noite, não se sabia se fugiam ou eram mortos, mas é certo que sozinho não foram longe, independente de suas intenções.
E foi no dia mais quente em muito tempo, após semanas de caminhada, que as duas hostes finalmente ficaram cara a cara.
Sob um céu vermelho e roxo bandeiras foram recolhidas e espadas eram desembainhadas, de um lado pouco mais de 1200 homens, do outro 4 mil seres abissais, sendo que 2500 desses eram demônios puros ou mestiços, indivíduos não muito diferente de humanos, enquanto o resto da hoste era composta por humanos corrompidos e criaturas, monstros dotados de inteligência humana e aparência bestial, muitos deles alados. As próprias montarias eram monstruosas, filhotes de dragão e répteis gigantescos, seres que também tinha um intelecto superior a maioria dos animais, e que por conta própria já davam trabalho a cinco homens. Todos que podiam usavam armaduras e armas rústicas.
Então o rufar dos tambores inimigos cessou subitamente e soaram as trombetas de som cristalino dos nortenses, como era o costume daqueles confrontos, e depois vieram os gritos e xingamentos de ambos os lados, dando lugar à selvageria em questão de instantes. Assim teve início a Segunda Grande Guerra e no meio dela estava Rorik Deschain, senhor de nada e mestre de ninguém, ninguém a não ser de si mesmo.
A medida que homens e demônios caiam no campo de batalha, o grupo liderado por Rorik se destacava dos demais, pois mesmo não tendo muito em comum com um bando de mercenários, eles tratava aqueles homens temíveis com respeito e igualdade. E por causa disso os mercenários admiravam o rapaz, apreciando sua companhia e senso de dever. Muitos inclusive abdicaram de seus pagamentos. Portanto, quando o comandante do Grande Exército caiu devido a mordida do jovem dragão que levava o líder dos demônios na garupa, não foi surpresa para ninguém que Rorik assumiu a liderança do Grande Exército, sempre rodeado por seus homens de confiança.
E pouco a pouco a batalha foi se equilibrando, demônios começaram a morrer como moscas e fugir de volta ao Abismo, até que um enorme rugido veio de seu interior e chacoalhou o solo, paralisando combatentes de ambos os lados. Os estrondos eram ritmados e vinham acompanhados de uma fuligem negra vomitada pelo Abismo, e todos se afastaram da fumaça tóxica, principalmente os demônios, que corriam apavorados de um lado para o outro. Passados alguns minutos ficou tudo em silêncio e os homens aguardavam sob a liderança firme de Rorik. Porém, quando os mais entusiasmados já comemoravam a vitória, formas enormes começaram a surgir da fuligem negra, demônios e criaturas que antes só existiam em lendas, todos envoltos por aquela estranha fumaça. Até que a própria fumaça pareceu tomar forma, e quando os homens se deram por conta, ela assumiu a forma de um enorme dragão negro, cujas narinas exalavam fuligem cor de breu.
Tudo que foi necessário para o pavor tomar conta foi um rugido.
Os únicos que mantiveram formação foram Rorik e seus homens, acompanhados por um punhado de homens corajosos, que no total não somavam mais de 300 cabeças. Quanto aos demônios, a maioria da primeira leva foi morta pelos próprios superiores, sobrando apenas os mais fortes, agora liderados pelo dragão. E foi nesse momento, quando toda a esperança parecia perdida e o grande dragão preparava o bote sobre Rorik Deschain, que um raio de luz branco e ouro na forma de um meteoro cruzou os céus. Aquilo pegou humanos e demônios de surpresa, interrompendo a luta por um momento, pois todos os olhos estavam voltados para o céu.
Então o meteoro deu uma curva e desceu ao solo em grande velocidade, caindo no meio da hoste inimiga com uma enorme explosão e arremessando demônios a grandes distâncias, e o que se seguiu foi assombro de ambos os lados. Quando a poeira baixou, todos se aproximaram respeitosamente com a excessão de Rorik, que tinha olhos fixos no dragão. E pouco a pouco uma forma foi assomando no centro de uma pequena cratera causada pela explosão, um ser alado e todo brilhante caído elegantemente sobre um joelho, segurando uma enorme espada de luz dourada em cada mão. Aí até mesmo Rorik foi obrigado a tirar os olhos da luta.
Ele se aproximou mais do que qualquer um, fascinado por aquele ser de armadura tão brilhante, certamente um celestial das velhas lendas. Do lado do inimigo, o único que teve coragem de fazer o mesmo foi o grande dragão, e logo o celestial se pôs em pé, voltado para Rorik. Então o paladino se virou para o dragão e ergueu as espadas, ficando entre Rorik e o dragão. Nesse ponto todos estavam estupefatos demais para reagir, e quando o celestial alçou voo sobre o dragão negro, fazendo o grande lagarto rugir de dor, ninguém ousou interferir.
Mas então o monstro acertou o paladino com um poderoso golpe de sua cauda, fazendo ele rodopiar no ar e cair atrás de uma duna distante, bem longe do campo de batalha. E agora foi a vez do dragão alçar voo para devorar sua presa.
Aquilo foi o suficiente para despertar Rorik de seu estupor.
Uma grande explosão de faíscas brancas e negras rasgou o céu e por um momento Rorik temeu ter voltado a si tarde demais. Ele correu na direção da duna e no caminho pegou uma das espadas de luz que o celestial derrubou quando foi atingido. As explosões se repetiram algumas vezes, sempre acompanhadas por um estrondo ensurdecedor, como se uma batalha de proporções épicas se desenrolasse do lado de lá da duna. Uma batalha na qual a cor negra estava prevalecendo.
Ainda assim restava um pouco de branco quando Rorik atingiu o topo da duna. O celestial era uma pequena forma brilhante diante da enorme envergadura do dragão negro, mas ainda resistia com sua única espada e um escudo de energia que se projetava do antebraço, embora não tivesse mais forças para ficar em pé. Percebendo a fragilidade do adversário, o dragão ficou sobre as patas traseiras e inflou o peito com sua chama negra, alheio à presença de Rorik, que aproveitou a distração do monstro para rolar duna abaixo. E no último instante, quando o dragão caiu outra vez sobre as quatro patas, estremecendo todo o chão com seu peso maciço, Rorik correu como nunca e rolou no chão, onde defendeu com o escudo a cusparada de fogo negro que fora intencionada ao celestial. Agora foi a vez de Rorik ficar entre o dragão e sua presa, gritando devido ao calor que queimava sua pele, pouco protegida por uma simples placa de escamas.
Então ele sentiu um toque suave no ombro e viu sua armadura brilhar cada vez mais a medida que o dragão aumentava a intensidade do fogo. Mas ainda assim aquilo não era o suficiente para Rorik sobreviver por muito mais tempo, portanto ele respirou aliviado quando viu seu exército descendo a duna, assediando o dragão da maneira que podia. A criatura rugiu de dor quando lhe cravaram uma lança no flanco e se virou para abocanhar quem quer que estivesse em seu caminho, abandonando as duas presas que estavam dando tanto trabalho em troca de uma refeição mais simples, e Rorik aproveitou a distração do dragão para se reeguer e fazer o mesmo pelo celestial, oferecendo sua mão como apoio. A armadura brilhante de Rorik fora cedida pelo próprio celestial, e agora ela havia retornado a seu dono por direito, mas não sem antes o rapaz ter um rápido vislumbre da mulher debaixo da malha branca. Rorik sorru e disse:
- Então não devo minha vida a um guardião, mas sim a uma guardiã, não é?
A Guardiã de Rorik nada disse no primeiro momento. Foi apenas quando o elmo se fechou totalmente que ela respondeu.
- Obrigada - disse com uma voz feminina alterada. Então alçou voo outra vez para o campo de batalha, pois os inimigos haviam voltado a si e o dragão causava grande estrago, arranhando e mordendo tal qual um crocodilo.
E foi sob a liderança de Rorik e a Guardiã que a batalha foi vencida pelos homens, sendo que mais de duzentos demônios caíram diante de suas espadas de luz, e até mesmo o dragão rastejou de volta ao Abismo com alguns arranhões. No fim daquela noite, após as comemorações, Rorik foi ter com a Guardiã no topo da duna, onde ela observava os festejos rudes dos homens protegida por sua armadura brilhante. A princípio ele não falou nada, apenas acompanhou seu olhar e lhe fez companhia, sem saber o que dizer.
- Foi uma boa luta - disse por mim e ofereceu a ela um chifre de cerveja.
Ela olhou o chifre brevemente e então ergueu a cabeça para o céu estrelado, aprumando as asas, que eram quase transparentes de tão finas. Mas Rorik se adiantou e agarrou seu braço.
- Espere - disse ele, mas se afastou diante do movimento abrupto da cabeça da Guardiã, lembrando uma ave de rapina com seu elmo fechado. - Preciso lhe devolver uma coisa.
Então desembainhou a espada de luz e ficou caído sobre um joelho, solene. A Guardiã ficou sem reação diante daquilo, mas de repente fez um ruído delicado que lembrou uma risada e põs a mão no queixo de Rorik, erguendo gentilmente sua cabeça.
- De pé, cavaleiro - disse ela e Rorik obedeceu com prontidão. - Você não me deve nada. Na verdade, se algum de nós deve algo a alguém aqui, essa alguém sou eu.
E apesar de não estar acostumado a ficar sem palavras, Rorik Deschain ficou sem saber o que dizer. Apenas disse debilmente:
- E a espada?
- É sua. Você fez por merecer.
Ele batizaria a espada de Fagulha-na-Noite.
Depois disso a Guardiã finalmente alçou voo e Rorik viu ela desaparecer entre as estrelas. Ele passou alguns minutos admirando o céu noturno, e quando enfim desceu a duna, tinha os passos pesados. Rorik olhou para o céu mais uma vez antes de entrar em sua tenda, se perguntando se um dia veria a Guardiã novamente. Então não suportou mais a exaustão e foi se deitar.
Mas a Guardiã não teria descanso tão cedo, pois a vingança do dragão seria terrível, e ela não demoraria a vir...